Com o casamento, a vida se constrói a dois, sonhos são realizados, planos concretizados, os objetivos em comum são inúmeros: casa própria, carro, filhos, animaizinhos de estimação, viagens. Assim, com o planejamento, de fato, cada propósito vai se concretizando. O que ninguém espera é o abandono do lar por um dos cônjuges, e, sim, isso pode acontecer, a vida real nem sempre funciona no “felizes para sempre”.
Presumindo que haja tal abandono do lar, a casa em que morava a família fica como sendo de propriedade exclusiva daquele que foi abandonado? Ou será que tal abandono não irá interferir na propriedade dos bens que foram construídos ao longo do casamento? E se pudesse falar em usucapião da parte pertencente ao cônjuge que abandonou o lar? É possível? Usucapião conjugal? O que é isso? Vamos entender se toda essa problemática tem sentido para o direito?
O que é usucapião?
Começando com o conceito de usucapião, esta, em seu sentido amplo, é considerada a aquisição da propriedade pelo decurso do tempo, preenchidos os requisitos legais. Trata-se da aquisição pelo uso da coisa, baseada em uma situação de fato, qual seja, a posse exercida e prolongada, convertendo-se na declaração de uma situação jurídica, qual seja, a propriedade.
De forma mais simples, a usucapião ocorre quando alguém adquire a propriedade de um bem, simplesmente, por ter exercido a posse desse bem por anos, sem que ninguém contestasse essa situação.
A usucapião possui alguns requisitos básicos como:
- Posse com intenção de dono (animus domini): a posse que enseja a usucapião é aquela com um conteúdo subjetivo. Ou seja, deve estar presente a intenção do possuidor em ser o legítimo dono da coisa, o possuidor deve agir como se fosse de fato dono do bem.
- Posse mansa e pacífica: Refere-se à posse sem qualquer oposição por parte de quem possa ter um interesse legítimo no bem, ou seja, sem enfrentar resistência por parte do proprietário real da coisa. Caso em algum momento houver contestação por parte do proprietário, a característica da mansidão desaparece, e consequentemente, a posse não atende mais aos critérios para fins de usucapião.
- Posse contínua e prolongada no tempo: para que enseje a usucapião, a posse deve ser exercida sem intervalos, sem interrupções, admitindo, no entanto, a soma de posses, conforme artigo 1.243 do Código Civil.
- Posse justa: para ser justa a posse deve ser sem vícios, ou seja, sem violência, clandestinidade ou precariedade. Portanto, a posse não pode ter sido originada por atos violentos, por atos ocultos, omissos ao proprietário, ou ainda, advir de atos de mera tolerância deste.
- Posse de boa-fé e com justo título: Em alguns sistemas jurídicos, como para a usucapião ordinária (artigos 1.242 e 1.260 do Código Civil), pode ser exigido que o possuidor tenha adquirido o bem a partir de um “justo título” ou em “boa-fé”. Isso significa que a aquisição inicial do bem deve ter ocorrido de maneira legítima e legal. No entanto, em outras formas de usucapião, esses requisitos podem ser dispensados, havendo uma presunção total de sua existência, como na usucapião extraordinária, ou mesmo na conjugal.
Assim, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre mais de uma forma de usucapião, cabendo a observância dos requisitos de cada modalidade diante do caso em concreto. Trataremos, a seguir, especificamente da usucapião conjugal.
Usucapião conjugal existe?
Com a Lei 12.424 de 16 de junho de 2011, o Código Civil passou a disciplinar uma modalidade especial de usucapião urbana: a por abandono de lar, também conhecida como usucapião conjugal.
Segundo o artigo 1.240-A do Código Civil: Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
Deste modo, a usucapião conjugal, essa aquisição da propriedade plena que antes era divida com o ex cônjuge, é, sim, possível, com a observância aos requisitos estipulados no artigo. Nesse contexto, cita-se os pontos a serem observados para que haja essa usucapião conjugal:
- Metragem de até 250 metros quadrados: o imóvel a ser usucapido não pode ser maior que 250 metros quadrados;
- Não ser proprietário de outro imóvel: o cônjuge requerente da usucapião conjugal não pode ser proprietário de outro imóvel.
- Prazo de 2 anos: prazo para se adquirir o direito de usucapir é dois anos, o que faz com que essa nova categoria de usucapião seja a com menor prazo previsto, entre todas as modalidades de usucapião, inclusive de bens móveis (o prazo menor era de três anos).
- Abandono do Lar: O principal fator que leva à aplicação desta regra é o abandono do lar, juntamente com o estabelecimento da residência por apenas um dos ex-cônjuges, através de posse direta exercida exclusivamente por aquele que foi abandonado.
Salienta-se que a usucapião conjugal pode atingir cônjuges ou companheiros, inclusive homoafetivos, uma vez que há amplo reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, equiparada à união estável.
Esclarece-se, também, que a usucapião conjugal se aplica de forma restrita, sendo modalidade exclusiva da entidade familiar, sendo esse o seu âmbito de aplicação. Nesse sentido, cita-se enunciado da V Jornada de Direito Civil, que dispõe: “A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas” (Enunciado n. 500).
Ainda é necessário frisar que a doutrina interpreta a temática com a seguinte emenda: o requisito do ‘abandono do lar’ deve ser visto diante da modalidade da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somando à ausência da tutela da família, não importando em averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável. Revogado o Enunciado 499” (Enunciado n. 595).
Diante das circunstâncias apresentadas, conclui-se que quanto ao requisito do abandono, não há que se falar em análise de culpa. O abandono também não pressupõe o divórcio, mas, sim, um afastamento do lar que era de ambos os cônjuges, acompanhado do descumprimento de deveres como o do amparo material, sustento da família, deixando aquele que fica na posse do bem, com todos os encargos na manutenção da família e do próprio imóvel.
Nesse contexto, pode ser observado que a usucapião especial conjugal trata-se de modalidade de usucapião que protege a família, assim, havendo esse abandono do lar repentino por um dos cônjuges, deixando o outro com todas as incumbências do sustento e manutenção do lar e da família, superado o prazo de dois anos e caso o imóvel possuir a metragem de até 250 metros quadrados, poderá o cônjuge que ficou na posse do imóvel, requerer a usucapião da metade que era de seu cônjuge, para que concentre a propriedade plena em seu nome.
É necessário advogado na usucapião conjugal?
Via de regra, todo processo judicial deve ser ajuizado por um advogado, portanto, como a usucapião conjugal deve ser requerida na esfera judicial, a resposta é SIM, VOCÊ PRECISARÁ DE UM ADVOGADO, busque um advogado especializado na área, ele resolverá todos os problemas que acompanham o assunto.
Quais documentos são necessários?
Para toda e qualquer ação judicial serão necessários os documentos pessoais, como RG, CPF, certidão da propriedade do imóvel, inclusive mencionando as características e metragem do imóvel, comprovante de endereço, certidão de nascimento de eventuais filhos, dentre outros que o advogado pode exigir de acordo com o caso concreto.
Conclusão sobre Usucapião Conjugal
Primeiramente, se você chegou até aqui, certamente você está precisando de ajuda para entender e resolver um aparente problema, então, não perca tempo, agende sua consulta imediatamente, o auxílio de um profissional jurídico sempre minimiza o sofrimento diante das questões familiares.
Em segundo momento, os casos envolvendo a usucapião conjugal são relativamente novos, trazendo um certo desconhecimento do assunto pela sociedade em geral. Isso não quer dizer que o tema é frágil, uma vez que se trata de direito previsto expressamente pelo nosso Código Civil.
Apesar do assunto envolver muito o emocional dos envolvidos, se dar diante de um período delicado que é o abandono familiar, isso não deve impedir que as garantias legais sejam dadas a quem possui o direito de usucapir a propriedade, diante de um abandono do lar conjugal.
Sendo assim, para concretizar seu direito à propriedade plena do imóvel, busque um advogado, este será fundamental para garantir que todo o processo seja realizado de acordo com a lei, garantido e concretizando as previsões legais. Além disso, o advogado poderá auxiliar na resolução de eventuais questões jurídicas e não jurídicas que possam surgir durante o processo judicial.
Dito isso, se o abandono do lar aconteceu com você, saiba, nós podemos te ajudar a saber se a usucapião conjugal pode ser aplicada no seu caso.