Provavelmente, em algum momento da vida, você já ouviu falar em bem de família. Seja naquela frase: “aquele imóvel não pode ser penhorado, pois é bem de família”, ou “aquele imóvel está protegido, é bem de família”. Pois bem, mas o que será que é esse tal de bem de família? Será que existe realmente essa possibilidade de tornar um imóvel impenhorável? Existe legalmente essa proteção e ela atinge a que tipo de imóvel?
Com o objetivo da proteção da pessoa humana, à necessidade ao direito de moradia, o instituto do bem de família segue uma tendência de valorização da pessoa, em prestígio à solidariedade trazida no artigo 3o, I, da Constituição Federal.
Basicamente, o conceito de bem de família consiste no imóvel destinado à moradia da unidade familiar, originado a partir do casamento, união estável, aplicando-se, inclusive, às famílias monoparentais ou qualquer outra configuração familiar reconhecida, sem deixar de mencionar a sua aplicação às uniões homoafetivas.
Hoje, no ordenamento jurídico, pode-se encontrar dois tipos de bem de família: o voluntário e o legal. Será que há diferença entre eles?
Talvez seu imóvel seja considerado um bem de família legal e você nem saiba. Da mesma forma que talvez, haja total desconhecimento sobre a possibilidade de se eleger voluntariamente um imóvel como bem de família. Vamos entender no que consiste o bem de família e as duas espécies mencionadas?
Bem de família voluntário
O bem de família, convencional ou voluntário trata-se de uma opção dada aos cônjuges, à entidade familiar ou mesmo ao terceiro, de instituir determinado bem como bem de família voluntário, por meio de escritura pública ou testamento.
Nessa instituição do bem de família voluntário, a parcela destinada a esse fim não poderá ultrapassar um terço do patrimônio líquido das pessoas que realizarão a instituição, nos termos do artigo 1.711 do Código Civil. Esse limite tem o propósito de garantir a proteção de possíveis credores.
O bem de família convencional não anula o bem de família legal, coexistindo ambos no ordenamento jurídico brasileiro.
Com a formalização do bem de família convencional ou voluntário, o imóvel passa a ser inalienável (não pode ser vendido) e impenhorável (não pode ser penhorado por dívidas), mantendo-se protegido contra a execução de dívidas contraídas após a sua instituição.
No entanto, excepcionalmente, essa salvaguarda não será aplicável em alguns casos, conforme previsto no artigo 1.715 do Código Civil, não serão atingidas pela impenhorabilidade:
- Dívidas que surgiram antes de sua instituição, independentemente de sua natureza;
- Dívidas que surgiram após a instituição, relacionadas a tributos vinculados ao imóvel, como o IPTU;
- Despesas de condomínio (outra forma de obrigação ambulatória), mesmo aquelas ocorridas após a instituição do bem de família.
Nesses casos especiais, a proteção conferida pelo bem de família convencional não se manterá, permitindo que tais débitos sejam executados mesmo sobre o imóvel protegido.
Qual tipo de imóvel pode ser instituído como bem de família voluntário? A instituição pode proteger os bens móveis que se encontram na residência?
Para que a proteção legal seja eficaz, é imprescindível que o bem em questão seja um imóvel destinado à residência, seja ele rural ou urbano.
Cumpre mencionar que essa proteção se estende a todos os componentes acessórios, todos os móveis, que fazem parte desse imóvel, incluindo elementos como as pertenças (bens que não compõe o imóvel mas servem ao seu uso), conforme delineado no artigo 1.712 do Código Civil.
Além disso, é possível ampliar essa proteção para a renda dos instituidores, desde que os rendimentos gerados por eles sejam direcionados à preservação do imóvel e ao sustento da família.
No entanto, de acordo com o artigo 1.713 do Código Civil, a quantidade de renda não pode exceder o valor do imóvel que foi instituído para essa finalidade, devido à sua natureza extraordinariamente acessória. Ademais, é fundamental que esses valores sejam especificamente detalhados no documento de criação do bem de família convencional (escritura ou testamento), conforme determina o artigo 1.713, § 1º, do Código Civil.
Como o bem de família voluntário é instituído e extinto?
O procedimento de instituição do bem de família convencional deve ser formalizado por meio documento formal, escritura ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis local, onde o imóvel estiver localizado, nos termos do artigo 1.714 do Código Civil. Independentemente do valor do imóvel, a regra especial e explícita do artigo 1.711 do Código Civil estabelece que uma instituição exige uma escritura pública ou um testamento.
Essa instituição perdura até o falecimento de ambos os cônjuges ou companheiros, com a ressalva de que, caso haja filhos menores de 18 anos a instituição irá se manter vigente até que todos os filhos atinjam a maioridade, mesmo que os pais tenham falecido, conforme estipulado o artigo 1.716 do Código Civil.
Bem de família legal
A Lei 8.009/1990 estabelece diretrizes específicas referentes à proteção do bem de família legal. Seu artigo 1º estipula que “O imóvel residencial próprio de casal, ou de entidade familiar, é impenhorável e não estará sujeito a qualquer forma de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, adquirida pelos parceiros, pais ou filhos que sejam os proprietários e habitantes do imóvel, salvo nos casos estipulados por lei”.
A condição para a impenhorabilidade é limitada ao uso do imóvel como moradia contínua e permanente da unidade familiar, conforme previsto no artigo 5º, primeiro parágrafo, da Lei 8.009/1990.
Em contrapartida, o Superior Tribunal de Justiça tem adotado o entendimento de que, mesmo no cenário em que o imóvel seja objeto de locação, sendo os valores dos aluguéis destinados ao sustento da família, a proteção da impenhorabilidade se mantém, tanto que foi editada a Súmula 486 do STJ: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”.
O bem de família legal, além de prezar pela impenhorabilidade do imóvel que a família habita, também se faz pertinente quanto à vida da família naquele lar, sendo de extrema importância que haja a manutenção de um padrão de vida regular daquela mesma família, tanto é que a exposição número 3, da Edição n. 44 da ferramenta “Jurisprudência em Teses” do Superior Tribunal de Justiça (STJ) menciona expressamente que: “A proteção contida na Lei número 8.009/1990 abrange não apenas o imóvel da família, mas também os bens móveis indispensáveis à habitabilidade de uma residência e os itens geralmente presentes em uma casa convencional”.
Como no bem de família voluntário, no bem de família legal também há exceções quanto à impenhorabilidade, neste caso, a Lei traz as seguintes hipóteses em que o imóvel poderá ser penhorado:
- pelo titular do crédito decorrente de financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel;
- pelo credor de pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;
- para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em relação ao imóvel familiar, inclusive despesas de condomínio;
- para a execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
- no caso do imóvel ter sido adquirido como produto de crime ou para a execução de sentença penal condenatória;
- por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação urbana.
Bem de família legal também abrange outros bens móveis?
Pode ser extraído da jurisprudência que tem-se considerado igualmente impenhoráveis, quando situados na habitação do devedor, os seguintes itens: aparelhos de som e televisão, mobília de cozinha, mobília de quarto, jogo de jantar, fogão, freezer e geladeira, sofás, aparelhos para lavar roupas e louça, secadora e passadora de roupas, micro-ondas.
Entretanto, há bens que são considerados penhoráveis, a saber: aparelhos de ar condicionado, telefones sem fio, câmeras filmadoras e ou fotográficas, dispositivos elétricos e eletrônicos de alta sofisticação, bicicletas e piscinas feitas de fibra de vidro.
Como é instituído o bem de família legal?
O bem de família legal é instituído de acordo com as disposições da Lei nº 8.009/1990, que estabelece as regras para a proteção do imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar contra a penhora e a execução de dívidas. Uma instituição de bem de família legal não é um ato único como o bem de família voluntário, mas sim uma proteção automática conferida pela lei em determinadas situações.
Assim, a proteção contra lesão pelo bem de família legal não requer um procedimento específico de instituição como no caso de bem de família voluntário. Ela é automaticamente aplicada quando os requisitos legais são atendidos, e sua existência é reconhecida em processos judiciais ou administrativos em que se discute a penhora ou execução de dívidas.
Conclusão sobre bem de família
Se você chegou até esta etapa, é possível que esteja buscando informações jurídicas sobre a possibilidade de proteção do lar familiar em detrimento de eventuais dívidas que podem ser originadas no decorrer da vida.
Nesse sentido, não hesite em agendar uma consulta. Essa decisão é capaz de prevenir ou mesmo remediar circunstâncias de constrição de patrimônio em um cenário de existência de dívidas, mesmo de valores expressivos, garantindo que o imóvel em que a família resida, seja amparado pelo instituto do bem de família.
Consultar um advogado é uma forma de prevenir eventual conflito de interesses, para que futuramente, não haja sequer a possibilidade do bem de família responder por dívidas que não estejam listadas como exceção a impenhorabilidade.
Diante disso, se a organização financeira encontra-se em meios turbulentos, havendo uma preocupação quanto à possibilidade do imóvel familiar responder por eventuais dívidas, saiba que estamos à disposição para fornecer orientação especializada, auxiliando você nas medidas certas que podem ser tomadas.